quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Pr. Sidney Sales, Sobrevivente do Massacre do Carandirú

Vivendo no Inferno( Pavilhão Nove )
O Pavilhão Nove faz divisa com o Oito, ao fundo. Chega a ter mais de 2000 presos, a maioria condenada pela primeira vez. No Nove, existem duas Celas de Triagem com o número de prisioneiros que pode chegar a trinta, dormindo no chão, espremidos, tomando cuidado para não encostar o rosto nos pés do companheiro. As Triagem ficam trancadas o tempo todo. Os presos só descem para receber visitas aos domingos ou às quartas, das oito às quinze, quando são liberados para " procurar xadrez", tarefa árdua para os novatos desconhecidos, porque o direito de posse da moradia é dos ladrões de muito tempo.Assim que os "Triagens" chegam, os outros sobem para ver se entre eles há amigos ou inimigos. Nesse caso, o desafeto é ameaçado de morte e tem duas alternativas:
-Pedir refugio, desmoralizado, no amarelo do cinco.
-enfrentrar o desafio e as facas do inimigo e seus parceiros.
Como dizem os funcionários: "O Nove é um pavilhão de encontro". Embora a direção propositadamente mantenha alguns presos mais experientes no Nove, a alta concentração de jovens impetuosos é responsável pelas freqüentes confusões criadas no pavilhão. Quando chegamos ao Pavilhão Nove, começou uma gritaria tremenda:- E aí, bonequinha? Tá com medo? Vem ficar aqui na minha cela que, hoje mesmo você vira picadinho... Eles gritavam dizendo que estavam chegando novos, e começaram a nos ameaçar, dizendo que iam nos cortar, matar, querendo nos intimidar. Fomos então para outra cela. Uma nova triagem. Ali, novamente, um carcereiro veio nos advertir para não nos influenciarmos com drogas, com armas usadas lá dentro, como facas, estiletes ou com quadrilhas formadas dentro do sistema carcerario, porque, se não eles usariam canos de ferro, correntes, cabos de aço e outras armas para nos bater. Era o castigo para qualquer pessoa que fosse pego com armas, drogas e até baralho. Não pode entrar baralho na prisão, porque os detentos jogam a dinheiro, fazem apostas. Existem cassinos lá dentro. Se o detento for pego em contravenção é levado para R.O. -Regime de Observação.Fiquei ali naquele pavilhão, naquela cela. De repente apareceu alguém e perguntou: "- Tem alguem da zona sul ai?" - Aqueles homens começaram a gritrar: "- Tem sim. Capão Redondo, Vila Joaniza, Nakamura, Santo Amaro, Jardim Ângela, Jardim Mírian, Parelheiros, Nove de Julho.
"-Tem alguém do Grajaú, São José?" Nessa hora me chamaram e eu cheguei ali perto da grade e o rapaz me perguntou: "- De onde você é?" "-Eu sou do São José, respondi." "-Você não conheceu nem um Ney por lá?" "-Poxa, sou eu mesmo. Quem ta falando aí?" "-Aqui é o Judas, irmão da Tereza, do Jardim das Imbuias." "-E aí, como tá, mano? Ouvi falar muito de você. Inclusive nós mandávamos cigarro pra você. Você recebeu as encomendas?" "- Claro, "tudo em cima" (tranqüilo). Quando sair daí, você vem morar conosco, na nossa cela." Mas logo em seguida apareceu João Telo, um traficante que eu conhecia do Jardim Iporanga, próximo ao Parelheiros, e o Magrão, o Serjão, do Chácara Tanay; depois veiram alguns da estrada do M' Boi Mirim, o Bezerra, outros do Jardim Ângela, Nakamura; e apareceram alguns da Joaniza: o Tal, o Bongo, o Boy. Todos eles queriam que eu fosse morar com eles, pois todos eles foram ajudados por nós, quando estávamos em liberdade e, eles, presos. Como Judas havia me convidado antes, fui para a cela dele. O nome dele era Leandro.
Quando eu estava em liberdade, meu companheiro de quadrílha, o Rubens, sempre mandava dinheiro e drogas para Judas na prisão e sustentava a família dele na rua. Muitas vezes eu contribuí para isto, e então, ele tinha muita consideração por mim. Por isso conversou com o carcereiro, pagou pela minha transferência e eu fui transferido para a cela dele( na época era a 523E, do quinto andar). Quando cheguei naquela cela, fui recepcionado por ele e pelo Chico, parceiro do Leandro, que morava também ali. Havia também o Baianinho, cozinheiro, que mexia com a "barraca"( a barraca era como chamavam o armário onde eles guardavam a alimentação).